quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O Paradoxo de Russell


Russell nasceu em 1872. Ele veio de uma tradicional família burguesa britânica. Russell estudou matemática em Cambridge e, como consequência da rigorosa educação erudita que a sua família o proporcionou e pelo seu interesse pela filosofia, ele era adepto de uma filosofia realista extrema que incluía uma visão idealista da matemática. Foi no decurso da redação de um livro para expor esta filosofia que Russell encontrou as ideias de Frege; quando o livro foi publicado em 1903 com o título The Principles of Mathematics, incluía uma simpatização por estas ideias. Embora admirasse as ideias de Frege, Russell detectou uma falha fatal no sistema.
Se quisermos progredir de número para número da forma que Frege propõe, devemos ser capazes de formar conjuntos de conjuntos sem restrição. Os conjuntos devem ser eles mesmos classificáveis; devem ter a possibilidade de ser elementos de conjuntos. Entretanto, surge a questão: pode um conjunto ser elemento de si mesmo? A maior parte não pode (por exemplo, o conjunto dos cães não é um cão), mas algumas, aparentemente, podem (por exemplo o conjunto das ideias  é seguramente uma ideia). Parece assim que os conjuntos podem se dividir em duas espécies: existe o conjunto dos conjuntos que são elementos de si mesmos, e o conjunto dos conjuntos que não são elementos de si mesmos.
Considere agora este segundo conjunto: é ele próprio elemento de si mesmo ou não? Se é elemento de si mesmo, então, uma vez que é precisamente o conjunto dos conjuntos que não são elementos de si mesmos, não pode ser elemento de si mesmo. Mas, se não é elemento de si mesmo, tem a propriedade que o qualifica como elemento do conjunto dos conjuntos que não são elementos de si mesmos, e portanto é elemento de si mesmo. Aparentemente, ele deve ser ou não um elemento de si mesmo; mas, seja qual for a alternativa  ser escolhida, a contradição é inevitável.
A esta descoberta chama-se paradoxo de Russell, que mostra existir algo de vicioso ao formar conjuntos de conjuntos e compromete todo o programa empreendido por Frege.
O próprio Russell estava tão apostado no logicismo quanto Frege e empreendeu o desenvolvimento de um novo sistema lógico no qual se propôs a derivar a totalidade da aritmética a partir de uma nova base puramente lógica.
 Sabemos hoje que o programa logicista não pode jamais ser levado a cabo com sucesso. O caminho a partir dos axiomas da lógica, passando pelos axiomas da aritmética até aos teoremas da aritmética, está obstruído em dois pontos. Primeiro, como o paradoxo de Russell mostrou, a teoria ingênua dos conjuntos, que fazia parte da base lógica de Frege, era em si inconsistente e as soluções que Frege propôs foram ineficazes. Assim, os axiomas da aritmética não podem ser derivados de axiomas puramente lógicos da forma que Frege esperava. Segundo, a própria noção de "axiomas da aritmética" foi mais tarde posta em questão quando o matemático austríaco Kurt Gödel mostrou que era impossível dotar a aritmética de uma axiomatização completa e consistente ao estilo que Russell propôs. Apesar de tudo, os conceitos e as perspectivas desenvolvidos por Frege e Russell no decurso da exposição da tese logicista continuam a ter interesse em si; e o seu interesse não diminuiu com fracasso daquele programa.
Toda a bagagem construída por Russell e Frege no empreendimento logicista serviu como ferramenta importante no desenvolvimento de uma faceta muito importante da filosofia do século XX.

Em publicações posteriores, Russell fala constantemente da atividade do filósofo como uma atividade de análise. Por "análise" entende Russell uma técnica de substituição de modos de linguagem que de alguma forma são logicamente enganadores por outros logicamente claros. Mas, no espírito de Russell, a análise lógica era muito mais do que um dispositivo para a clarificação de frases e argumentos. Ele concluiu por pensar que, depois de alcançada uma forma clara para a lógica, ela revelaria a estrutura do mundo.

A sua forma de pensar, que ficou conhecido como atomismo lógico, foi apresentado numa famosa série de conferências em 1918. Não foi de modo algum a última palavra de Russell em filosofia. Nos 52 anos que lhe restaram, Russell escreveu muitos livros e ensaios sobre lógica, conhecimento, moral, educação e até mesmo relacionamentos pessoais. Na parte final da sua vida, tornou-se conhecido para um público muito vasto como escritor e ativista sobre vários temas sociais e políticos. Russell era o primeiro a admitir que o próprio atomismo lógico se devia em grande parte às ideias de um dos seus primeiros alunos, Ludwig Wittgenstein. Seria também Wittgenstein quem, depois de ter negado as ideias de Russell, desenvolveu gradualmente as bases da filosofia do século XX.

Os números naturais


Ao se utilizar do conceito lógico de conjunto, Frege pode definir os números cardinais como conjuntos de conjuntos com o mesmo número de membros; assim, o número dois é o conjunto dos pares, e o número três o conjunto dos trios. Apesar das aparências, esta definição não é circular, porque pode-se dizer o que significa dois conjuntos terem o mesmo número de membros sem recorrer à noção de número; assim, por exemplo, um criado pode saber que existem numa mesa tantas facas quantos os pratos sem saber o seu número, bastando para tanto observar que há exatamente uma faca à direita de cada prato. Dois conjuntos  tem o mesmo número de membros se for possível estabelecer entre eles uma relação biunívoca; tais conjuntos são conhecidos como conjuntos de equivalência. Um número será, então, o conjunto dos conjuntos de equivalência.
Desta forma, pode-se definir o quatro como o conjunto de todos oa conjuntos equivalentes ao conjunto dos evangelistas. Mas uma definição deste tipo seria inútil para o projeto de reduzir a aritmética à lógica, uma vez que o fato de haver quatro tartarugas ninjas não faz parte da lógica. Para que o seu programa tivesse êxito, Frege foi obrigado a encontrar, para cada número, um conjunto cuja dimensão fosse, além de adequada, assegurada pela lógica.

Resolveu começar com o zero. O zero é um número que pode ser definido em termos puramente lógicos como o equivalentes ao conjunto de objetos que não são idênticos a si mesmos. Uma vez que não existem objetos não idênticos a si mesmos, esse conjunto não possuí elementos; e, uma vez que conjuntos com os mesmos elementos são o mesmo conjunto, existe só um conjunto sem elementos, o chamado "conjunto vazio". O fato de só existir um conjunto vazio é usado ao passar para a definição do número um, que é definido como o conjunto dos conjuntos equivalentes ao conjunto dos conjuntos vazios. Dois pode, então, ser definido como o conjunto dos conjuntos equivalentes ao conjunto cujos elementos são zero e um, três como o conjunto dos conjuntos equivalentes ao conjunto cujos elementos são zero, um e dois, e assim por diante. Assim, a série dos números naturais constrói-se a partir das noções puramente lógicas de identidade, conjunto, pertençer a um conjunto e equivalência entre conjuntos. Dessa forma, esta definição precisa se estende a todos os números reais, já que estes são definidos a partir dos próprios números naturais.

O que são números?

Ao tentar definir a natureza da matemática, Frege primeiramente tentou responder à pergunta: “O que é um número?”. Dessa forma, Frege desenvolveu o seu sistema lógico com a finalidade de assentar a matematica em relações lógicas simples. Porém, como todos os termos que são definidos são definidos por meio de outros termos, é claro que o conhecimento humano deve sempre se contentar em aceitar alguns termos como inteligíveis e sem definição, de maneira a ter um ponto de parida para as suas definições.
No sistema de Frege, a noção aritmética de número foi substituída pelo conceito lógico primitivo de “conjunto”, sendo este, em um primeiro instante, sem definição formal. Entretanto, este conceito pode ficar um pouco mais intuitivo ao se apresentar alguns sinônimos de conjunto como: coleção, classe, agregado, múltiplo, etc.
 Assim sendo, um conjunto ou coleção pode ser definido a partir de duas maneiras diferentes. Pode-se enumerar os seus membros, por exemplo, quando alguém se refere à uma coleção da seguinte forma:
-“O grupo a que me refiro é constituído por Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo.”
Ou pode-se definir um conjunto a partir de uma propriedade que todos os membros tenham em comum. Por exemplo:
-“O grupo a que me refiro é o das Tartarugas Ninjas.”
Ou até mesmo:
-“O grupo a que me refiro é o dos pintores renascentistas.”
A definição que enumera é chamada uma definição por “extensão” e a que menciona uma propriedade em comum é chamada de “intensão”. Destas duas maneiras diferentes de definir um conjunto, aquela por intensão é a mais fundamental pois uma definição extensional pode sempre ser reduzida à uma intensional, porém a recíproca não é verdadeira. Isto ocorre pois muitas vezes lidamos com conjuntos que é muito difícil considerar cada membro ou isto simplesmente não é possível.
É óbvio que, na prática, podemos frequentemente saber muito sobre um conjunto sem sermos capazes de enumerar os seus membros. De fato, nenhuma pessoa poderia enumerar todos os homens, ou todos os habitantes de São Paulo; no entanto, é possível saber muito sobre cada um destes conjuntos.

Quando se procura uma definição para número, todas estas observações são relevantes de três maneiras diferentes. Em primeiro lugar, os próprios números formam uma coleção infinita, e não podem, portanto, ser definidos por enumeração. Em segundo lugar, os conjuntos que tem um número definido de elementos formam eles próprios um conjunto infinito – por exemplo, há infinitas maneiras de definir qualquer trio no universo: três bananas, três frutas, três animais, três objetos, etc. E em último lugar, é desejável definir número de uma forma que a infinitude seja possível.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A lógica de Frege - Linguagem

Ao se utilizar da linguagem matemática, Frege aplicou a terminologia algébrica à expressões da linguagem comum e substituiu as noções gramaticais de sujeito e predicado pelas noções matemáticas de argumento e de função e, em vez de números, introduziu os valores de verdade como os possíveis valores que as expressões podem assumir. Assim, "x é um homem" representa uma função que toma o valor verdadeiro para o argumento "Sócrates" e o valor falso para o argumento "Vênus", por exemplo.
A expressão que sempre introduz a frase, “para todo o x” - representada em notação moderna por “x” – significa, em termos fregianos, que o que lhe segue (“se x é um homem, x é mortal”) é sempre verdadeira para qualquer argumento, pois sempre será verificada as condições que o argumento satisfaz para que a proposição na sua totalidade não se contradiga. Uma expressão deste tipo é chamada de quantificador. Em particular, o quantificador apresentado foi o quantificador universal que é representado por “∀”.
Além de "para todo x", o quantificador universal, existe também o quantificador particular "para algum x" – representado por “” que diz que o que se lhe segue é verdadeiro para pelo menos algum argumento. Então, a proposição “alguns cisnes são pretos” pode ser reescrita no dialeto fregiano como “para algum xx é um cisne e x é preto”. Uma maneira de se interpretar a seguinte proposição é “existem coisas no universo que são cisnes pretos” e, na verdade, Frege utilizou-se do quantificador particular para delimitar e representar o significado de “existência”. Assim, utilizando-se de outro exemplo, a proposição “Deus existe” pode ser reformulada como “para algum x, x é Deus”.
A nova notação utilizada por Frege em seus quantificadores o permitiu a formalizar de forma mais rigorosa e clara a teoria das inferências do que a silogística aristotélica poderia em seu escopo. Depois de Frege, a lógica formal podia, pela primeira vez, lidar com argumentos que envolviam frases com quantificação múltipla, frases que eram, por assim dizer, quantificadas em ambos os extremos, tais como "ninguém conhece toda a gente" e "qualquer criança em idade escolar pode dominar qualquer língua".
Entretanto, Frege não estava interessado na lógica pela lógica, o que o motivou a desenvolver esta nova forma de lidar com a lógica era poder possuir uma ferramenta auxiliar para lidar com questões da filosofia da matemática. A grande questão, que acima de tudo, ele ansiava responder era: será que as demonstrações da aritmética assentam na lógica pura, baseando-se somente em leis gerais que permeiam todo o tipo de conhecimento que já foi e irá ser produzido ou é necessário que esta precise do suporte de fatos empíricos?


A Lógica de Frege: Matemática

A maior contribuição de Frege para a lógica foi a sua invenção da teoria da quantificação; isto é: um método para simbolizar e exibir rigorosamente as inferências cuja validade depende de expressões como "todos" ou "alguns", "qualquer" ou "cada um", "nada" ou "nenhum". Este novo método permitiu-lhe, entre outras coisas, reformular a silogística tradicional.
Observe que as seguintes inferências são similares:

·        Todo homem é mortal;
·        Sócrates é homem;
·        Logo, Sócrates é mortal.

·         Se Sócrates é um homem, Sócrates é mortal;
·        Sócrates é um homem;
·        Logo, Sócrates é mortal.

A segunda inferência é válida no cálculo proposicional. Porém, nem sempre pode ser considerada uma tradução da primeira inferência, uma vez que a sua primeira premissa parece afirmar algo acerca de Sócrates em particular, de forma que se "Todos os homens são mortais" for verdadeira, então
·        Se x é um homem, x é mortal.
Será verdadeira independemente do nome que substituir a variável “x”. Aliás, esta frase será verdadeira para qualquer coisa que substituir “x”, sendo homem ou não, uma vez que se “x” não for homem a condição do enunciado (“Se”) – que funciona como um filtro para tudo aquilo que não for homem - ainda se verifica. Assim, pode-se exprimir o enunciado “Todos os homens são mortais” da seguinte forma:
·        Para todo o x, se x é homem, x é mortal.

Para realizar esta reformulação que constitui na base da teoria da quantificação, Frege utilizou a terminologia da álgebra na lógica. Pode-se dizer que uma expressão algébrica como “ x/2 + 1” representa uma função de “x”, o valor numérico que a expressão adquirirá dependerá da substituição numérica que se fizer para a variável “x”, ou, em termos técnicos, do argumento escolhido para a função. Assim, o valor da função é 3 se o argumento for 4, e é 4 se o argumento for 6. Dessa forma, Frege utilizou-se do ferramental matemático para formular e formalizar os argumentos, não obstante, este procedimento também irá tangenciar questões da linguagem.

Lógica Clássica


Até então, a primeira parte da atividade da lógica consistia na silogística elaborada por Aristóteles que consistia em elaborar certas premissas como ponto de partida para somente assim poder chegar-se às conclusões, ou seja, às verdades lógicas. Dessa forma, o procedimento se desenvolvia da seguinte maneira: determinava-se a premissa maior, aquela que é a motivadora do próprio argumento, logo em seguida, a premissa menor, que consiste em um detalhe relevante à discussão observado pelo próprio lógico e, finalmente, chegava-se à conclusão – como mostrado no seguinte exemplo.
·        Todo homem é mortal (premissa maior);
·        Sócrates é homem (premissa menor);
·        Logo, Sócrates é mortal (conclusão).
Tomando que cada premissa é o resultado do silogismo com premissas antecedentes, a atividade lógica fica bem definida como abrangente e interminável.

Ademais, a sua qualidade é determinada não pelo conteúdo das premissas em si, mas somente pela validade dos silogismos que podem ser categorizados em falácias lógicas ou não. Dessa forma, argumentos podem ser válidos mesmo que sejam completamente aburdos, pois a verdade de uma premissa não é tangível à prática silogística.